segunda-feira, 24 de março de 2008

O mundo está doente e os noticiários não são nada agradáveis. As imagens nos pertubam, e as informações nos intimidam. Cada vez mais doente, cada vez mais violento, cada vez mais perigoso, o mundo oscila como a chama de uma vela no soprar de ventos frios. O Rio de Janeiro mergulha numa epidemia de dengue, Os Estados Unidos anunciam uma possível recessão econômica, a China se envolve em conflitos com os monges tibetanos, crianças cada vez mais novas se envolvem com drogas e prostituição, e cada vez mais falcatruas e corrupções são descobertas e desarticuladas. Para falar a verdade, eu não me sinto abalado com todas essas notícias. Apenas me sinto incomodado em estar vivenciando claramente um período da história da Humanidade onde o inferno está em fase de acabamento aqui, entre nós.
Lógico, quando nos sentimos intimidados dessa forma pelo mundo ao nosso redor, a primeira coisa que tentamos fazer é sermos otimistas e pensar que tudo poderá ser resolvido, poderá ser solucionado. E mais, buscar mostrar a si mesmo que o mundo não é feito apenas de infernos em vários níveis. Existe o nascer e o pôr do sol, existem as amizades, existem músicas que te envolvem e tornar seus dias mais suportáveis. Existem as coisas as quais você gosta muito e que você procura se apegar, criando seu próprio mundo de valores, condutas, momentos, sonhos, objetivos, imagens e sons. É o seu abrigo que o protege contra o mundo lá fora, que está sendo destruido gradativamente, alienado constantemente, queimado, poluído, assassinado, estuprado, atropelado,incendiado.
Esses últimos dias tive a grata satisfação de me deparar com vários álbuns da banda californiana Cake. Eu já havia baixado um álbum deles há alguns meses atrás, Pressure Chief, e fiquei ouvindo durante vários dias a música Guitar Man. Dessa vez, baixei na internet toda a discografia deles, inclusive um álbum ao vivo, Cake - Live At The House Of Blues [2003], e passei esses dias purificando meu espírito com suas músicas leves e bem humoradas, com pitadas de funk, ska, pop, jazz, rap e country e letras irônicas. Comfort Eagle, Short Skirt/Long Jacket, Commissioning a Symphony in C, Love You Madly, e diversas outras pérolas de Cake iluminaram meus dias, marcados por notícias pertubadoras e insistentes. E eu, como sempre, impelido por uma força íntima e poderosa, lapido em forma de palavras minhas profundas impressões sobre esse mundo fora de órbita e em rota de colisão com seu próprio inferno.

Uma Sinfonia em C

Eles estão erguendo religiões e construindo líderes
Eles estão criando conspirações e comissões de inquéritos
Intrépidos e inquietos os seus pés de fogo em espirais de fumaça
Estão traficando sua liberdade e comendo suas crianças
Estão trancafiando sua sanidade em filas febris e doentes

Eles estão queimando suas esperanças com madeira de lei
Estão sufocando sua gargante com violência gratuita
Estão matando em ligações por celulares
Canibalizando o que resta de suas virtudes escondidas
Exterminando sua racionalidade com sete balas

Eles estão fazendo esse mundo oscilar numa dança
de cadávares nas pistas e corpos desovados
Estão plantando terrorismo em vasos de estrume e sangue
Estão poluindo seu café da manhã e fumando seu almoço
Estão drogando suas inocências e cancelando seus vôos

Eles estão congestionando suas vias e atrasando seus objetivos
obstruindo suas conexões e desprezando seus princípios
Enterrando suas resistências e afogando suas conquistas
E você, depois de lavar suas mãos, olha para o espelho sorrindo
enquanto assobia uma bela e destoante sinfonia em C.


Ulisses Góes, outono de 2008
 
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