segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Escrinauta ~ Cupcakes

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Ao abrir a escotilha de seu apartamento, o Escritor Astronauta observou, surpreso e silencioso, uma revoada mansa de borboletas invadir o ambiente ao seu redor. Dezenas delas, de variadas cores, variados tamanhos, em voos majestosamente caóticos pelo ar. Sentiu uma fragrância envolvente que o cativou e fez lembrar de uma amiga sua, que em qualquer lugar que chegava deixava exalar aquele perfume encantador. Provavelmente um aroma de jasmim, flores do campo, não tinha certeza de qual fragrância era. Tentava decifrar aquele cheiro envolvente através de uma rápida pesquisa virtual, mas foi em vão, pois as borboletas voavam pelo ambiente, atravessando as imagens translúcidas suspensas pelo apartamento, causando sutis interferências caóticas nas transmissões. Não entendia ainda o motivo, mas agora não eram mais imagens e trechos escritos de sua história, além de outras pesquisas recorrentes ao que escrevia, que apareciam nas telas flutuantes, mas sim, noticiários e programas japoneses. "O que essas borboletas estão fazendo com minhas imagens?", pensou confuso o Escritor, quando escutou uma voz conhecida dissipar rapidamente seus pensamentos. Era uma voz familiar e parecia estar vindo de sua sala de estar. "Mas como? Se ninguém passou por mim...". Sua frase foi interrompida pela voz alegre que chamava pelo seu nome sem parar. Voltou para a sala e encontrou as borboletas rodopiando festivas ao redor de sua amiga Caroline, uma Feiticeira Lunar com um sorriso que deixava um frescor de hortelã exalar pelo apartamento. Sentada ao seu lado, uma loba linda e majestosa, de incríveis olhos azuis e um pêlo acinzentado com leves rajadas de tons negros ao redor do pescoço, lançava um olhar atento em sua direção. "Oi, amigo. Estava com saudades de você.", disse Carol, enquanto abraçava o Escritor, tão surpreso quanto contente por aquela visita tão inesperada. "Trouxe para você cupcakes de banana, pois eu sei que você adora", Carol apontou para o pequeno pote transparente com uma tampa lilás em cima da mesa na cozinha. "Que maravilha, Carol. Eu adoro esses seus doces, nem me lembro quando foi a última vez que comi essas delícias", disse o Escritor. Enquanto conversava com sua amiga Feiticeira Lunar, sentiu algo macio nascendo embaixo de suas botas. Um pequeno gramado japonês verdejante tomou conta do chão de sua sala de estar e trepadeiras floridas nasciam no topo de sua imensa estante de livro que ficava em um canto do ambiente. "Amigo, que bom poder te ver novamente. Fiquei sabendo através de Sérgio que você está escrevendo um novo livro, então fiquei curiosa para saber mais", disse Carol, enquanto se ajeitava, com seu vestido simples num forte tom de vinho que em alguns momentos ondulava em variações de matizes magníficas, em uma aconchegante cadeira de jardim que ficava ao lado da janela com uma vista magnífica da cidade. A loba a acompanhou e sentou-se ao seu lado, com seus brilhantes olhos azuis atentos a tudo. "Sim, é verdade. Estou escrevendo um novo livro. É uma história que eu já estava desenvolvendo há um bom tempo. Acho que já tinha comentado com você antes, mas na época era apenas uma ideia guardada em minha cabeça", explicou o Escritor, enquanto trazia duas xícaras de café e os cupcakes de banana no pote transparente, colocando-os na mesa redonda de jardim. "Então, estou curiosa, me conte", falou Carol, num tom de voz animado, demonstrando a imensa curiosidade que ela tinha em saber tudo sobre a história que seu amigo estava escrevendo. "Espere um momento", disse o Escritor, levantando o dedo indicador com um gesto amistoso, enquanto com a outra mão escolhia um dos cupcakes, "Antes de mais nada, deixe-me provar logo esse seu doce maravilhoso". Deu uma mordida generosa e sentiu os pensamentos flutuarem através de sabores muito familiares ao seu paladar, ao mesmo tempo em que observava pequenos arranjos de diferentes flores nascendo por diversas partes de seu apartamento, por entre algumas pilhas de livros espalhadas pelo chão, por toda a extensão das janelas da sala, passando por sobre a mesa onde estava seu computador, chegando até a mesa onde estavam. As imagens translúcidas flutuavam ainda, insistindo com as transmissões nipônicas, provavelmente uma interferência maluca provocada pelas borboletas que voavam sem parar.
"Vamos, me conte, não me deixe assim nessa ansiedade", insistiu a Feiticeira Lunar, com uma curiosidade viva estampada no brilho fascinante de seu olhar. "Minha história, Carol, é sobre três jovens que se envolvem com poderes obscuros depois que encontram um livro que tem o poder macabro de matar qualquer pessoa que tenha seu nome escrito nele. Existem muitos elementos emaranhando mistério, terror e sobrenatural durante toda a trama. E os três são perseguidos durante a maior parte da história", explicava o Escritor para sua amiga que aproveitou o momento em que ele tomava um bom gole de café para lançar algumas perguntas sobre o desenvolvimento da narrativa. "E nessa história, a magia está presente? Existe algum personagem mágico, bruxo, feiticeiro?", indagou Carol, tentando obter mais informações sobre a narrativa que o amigo desenvolvia. "Sim, na verdade existe uma personagem mística, mas ainda não sei ao certo até que ponto ela poderá desenvolver o potencial de magia dela. Por enquanto, essa jovem, Hemilly, apenas tem um pingente em forma de ampulheta que ela comprou por sugestão de uma amiga bruxa", o Escritor deu mais uma mordida no cupcake de banana, enquanto uma imagem translúcida com o rosto de Hemilly surgiu ao seu lado, juntamente com um perfil básico de sua personalidade. "E o que esse pingente faz? Qual é o poder que ele encerra?", perguntou a Feiticeira Lunar, ansiosa pela explicação. "Bom, esse pingente em forma de ampulheta se chama Destemporizador e dá ao seu dono a capacidade de retroceder no tempo em espaços relativamente curtos. Você não pode avançar no tempo, mas apenas voltar por algumas horas, ou alguns dias, provavelmente semanas, e permanecer no passado apenas por um breve período de tempo, mais precisamente o tempo em que a areia se esvai na ampulheta em forma de pingente. Ainda não sei como ele funciona completamente, apenas quando a história estiver se desenvolvendo eu saberei realmente mais a respeito do pingente". O Escritor fez nova pausa, pegando outro cupcake. Nesse momento, um corvo atravessou uma das janelas abertas da sala, fazendo um voo rasante e pousando meio desajeitado em cima do monitor de seu computador. Carol apoiou seus cotovelos sobre a mesa de jardim e deixou seu queixo descansar sobre os dedos entrelaçados de suas mãos. "Estou empolgada. Conte-me mais. Essa jovem bruxa tem algum tipo de poder? Ou ela ainda não desenvolveu nenhum tipo de força oculta?", questionou a Feiticeira Lunar, cada vez mais instigada com a história do Escritor Astronauta, que prosseguiu com suas explicações. "Na verdade, Carol, a jovem bruxa tem poderes que ainda não se manifestaram por ausência de um momento propício que faça essa força aflorar nela. Falta ainda acontecer uma situação de perigo real e imediato que faça com que esses poderes sejam a saída inesperada para ela se salvar ou salvar pessoas importantes em sua vida". A Feiticeira amiga continuava atenta às explicações e aproveitou a oportunidade para lançar sugestões para o amigo. "Estou adorando essa sua história. E Magia transporta a história para um outro nível, o nível da fantasia. Faz nossa imaginação funcionar freneticamente. Eu poderia sugerir uma ideia para o meu amigo poder incluir em seu trabalho narrativo?". "Lógico, Carol, ideias e sugestões sempre são bem vindas. Eu tenho certeza que sua sugestão será uma surpresa para mim", disse o Escritor, e percebeu que suas palavras deixaram Carol radiante, com um sorriso claro em seu rosto. "Amigo, assim você me deixa mal acostumada. Se deixar, eu transformo minha sugestão em uma lista imensa, hein?", disse a amiga Feiticeira, soltando uma risada festiva que contagiou o Escritor, acompanhando sua risada enquanto se deliciava com o cupcake de banana. Carol prosseguiu, "Brincadeirinha. Sua história é apaixonante, e acredito que você terá tanto a contar que pode render 3 ou 4 volumes, pelo menos. Sua personagem que tem o pingente, Hemilly, você disse que ela tem poderes que ainda não se manifestaram. E como você disse que ela é uma jovem bruxa, então que tal se ela fosse uma bruxa que dominasse os poderes da Natureza? Ela descobriria aos poucos que domina os elementos primordiais do planeta, como o ar, a água, a terra ou o fogo. Ela seria uma personagem encantadora. O que você me diz?". O Escritor Astronauta ficou segurando o cupcake em sua mão, enquanto mantinha um olhar pensativo em direção à amiga. Não demorou, e a imagem translúcida ao seu lado saiu do ar momentaneamente por microssegundos, questão de um breve piscar de olhos, e voltou, dessa vez com imagens de sua personagem Hemilly utilizando de sua força mística para mover os elementos da Natureza, assimilando completamente a sugestão dita por sua amiga Feiticeira Lunar. Olhou fixamente para a imagem flutuando e assistiu, maravilhado por longos segundos, como sua personagem desenvolvia movimentos magníficos para lançar seus poderes oriundos da terra, do fogo, da água e do ar. Começou a perceber o quanto havia adorado aquela incrível ideia, que parecia já estar incorporado completamente em sua personagem, como se, na realidade, fossem de fato esses os poderes que ela tinha desde sempre. O Escritor afastou lentamente a imagem translúcida de seu rosto, e voltou sua atenção para onde sua amiga Carol estava sentada, pronto para demonstrar toda sua euforia pela incrível ideia oferecida quando percebeu, espantado, que ela simplesmente não estava mais ali. Pela janela aberta, as borboletas começaram a sair numa revoada silenciosa e mansa. Ao seu redor, não havia mais qualquer sinal de grama japonesa pelo chão de seu apartamento, e nem trepadeiras ou flores espalhadas pelas paredes da sala. Assim que as borboletas foram deixando seu apartamento, as imagens translúcidas que pairavam por todos os cantos deixaram de mostrar transmissões de programas e noticiários japoneses, voltando a sintonizar trechos visuais e escritos de sua história. Olhou para o cupcake de banana em sua mão, deu a última mordida, e então descobriu algo escondido no fundo do pote transparente trazido pela sua amiga. Não tinha reparado um pequeno bilhete amarelo embaixo dos dois últimos cupcakes que haviam sobrado. "Não importa a história, o poder da Natureza é insuperável. Beijos de sua amiga, Carol", dizia a mensagem no bilhete. O Escritor Astronauta leu aquele breve recado, enquanto via as borboletas voando pela avenida, e então resolveu segui-las pela tarde. Colocou seu capacete, fechou mais uma vez a escotilha, desceu as escadas e encontrou a rua. Ainda podia ver as borboletas voando despreocupadas pelo céu da cidade. Continuou seguindo elas por um bom tempo, pelas ruas e avenidas, até que chegou em um viaduto e parou, pensativo. Ficou ali, vendo as borboletas voando juntas, rodopiando até sumirem no horizonte. Olhou à sua direita e viu espantado uma pequena floresta descendo por um barranco até a avenida lá embaixo. "Estranho. Eu podia jurar que só tinham prédios ali", disse o Escritor com uma leve expressão de surpresa em seu rosto, enquanto tinha novamente aquela sensação de ter atravessado alguma fronteira para um universo paralelo.

Escrito por Ulisses Góes
Fotografia: Neil Dacosta

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